ERA SAFAR: o reflexo identitário ibérico
Léo
Dubal & Jaime
Pérez Sánchez
chronist@archeometry.org
; rezchezjaime@gmail.com
Tradução
de Fernando
Coimbra
Enquanto os Ostrogodos, após o
saque de Roma, se apoderaram da legitimidade romana
sobre a Península Itálica,
para a Península Ibérica,
os Visigodos atribuíram a si próprios esta
legitimidade por via simbólica … inventando a ERA.
Esta era calendárica chamada
também
era de Augusto, era gótica ou data Safar, rende homenagem à Pax
Romana na Hispânia.
A implantação crono-eclíptica da
ERA é a eclipse total do sol sobre Coimbra
de +1079.07.01 da era comum EC.
A retrodicção do início da totalidade
sobre Coimbra com o freeware 5MSEC de Xavier Jubier dá:
Este eclipse
notavelmente longo é
relatado nos Anais de Coimbra:
http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=1457770
As
estelas funerárias são os artefactos mais antigos
da era gótica portadores de
um cólofon com a data expressa em
termos de ERA
(ver
https://www.ucm.es/data/cont/media/www/pag73943/Navascues-Vol%20II.pdf).
A primeira, encontrada em
Mérida, tem o epitáfio de Octavia Devota.
Ela viveu 19 anos e 10 meses e faleceu a 10 das calendas de Maio,
ERA 480, ou seja EC +442.04.22.
OCTAVIA DEVOTA VIXIT [A]N (no)S XVIIII M(enses) X RECEPTA IN PAC(e) D(efuncta) X KA (l) MAIAS ERA CCCCLXXX |
Outra estela, descoberta em
Bojeos, Huelva, tem o epitáfio de Vincomalos,
o bispo da sede episcopal de
Niebla, falecido com a idade de 85 anos,
a 4 das nonas de Fevereiro da l’ERA 547 (EC +509.02.04).
Ela
constitui um testemunho excepcional da escrita visigótica do Sul da Península
Ibérica.
VVINCOMALOS EP[piscopu] S CHR[ist]I SERV VS VIXIT AN NOS LXXXV EX QVI B[us] IN SACERDOTI O VIXIT AN[nos] XLIII RECESSIT IN PACE D[ie] IIII NONAS FE BRVARIAS ERA DXLVII |
Sete anos mais tarde, o Concílio ariano de Tarragona com a fórmula:
Conciliun
Terraconense decem episcoporum habitum aera DLIIII,
ou seja ERA 554, teria a EC
+516.11.06,
oficializada assim a expressão do ano em curso em termos de ERA,
mas nenhum manuscrito deste Concílio sobreviveu para o confirmar.
A Ponte de Taboada sobre o Camino
de Oro, na Galiza data do século
X.
Para a sua inauguração, um cólofon foi gravado num bloco de
rocha à entrada da ponte.
A data é: ERA DCCCCL antes das calendas de Abril, ou seja,
ERA 950 ou ainda EC +912.03.31.
No século XII, a utilização
de AD, Anno Domini dito
também era da Encarnação do Senhor
(era que Carlos Magno e Alcuíno tinham
tentado impor a toda a Europa em 801,
ver
https://www.archaeometry.org/eres.pdf)
começou a substituir a ERA
em certas zonas controladas por reis
católicos.
A este propósito, é necessário notar que na co-datação praticada
nestas zonas,
o AD anuncia um atraso de 39 anos à ERA, contra os 38 estabelecidos
crono-eclipticamente.
Um exemplo desta confusão é dado num contrato de
casamento contendo a dupla data
do terceiro dia dos idos de Agosto de AD 1137 e
da ERA 1176 !
Aqui se lê:
Quod
est actum. III Idus Augusti anno Incarnationis dominice
CXXXVII post
millesimum.
Era millesima centesima LXXVI
prephato rege Ranmiro
regnante.
Petronila de Aragão, a futura casada, nasceu a 29 de Junho EC 1136/7.
Seu pai, Ramiro II o Monje, estabeleceu a 11 de Agosto EC 1137/8 este contrato de casamento
com o supracitado conde Ramón Berenguer IV de Barcelona…
A
ERA permanecerá, ainda por 2 séculos após Petronila,
o calendário ibérico de
referência que desafiou os séculos e as invasões.
Esta desconfiança em relação
a uma era de Incarnação do Senhor pós-datada pelo Venerável Beda
tem talvez a
sua fonte histórica no antagonismo religioso entre
os Visigodos da Península,
arianos até 587, e os Francos do Norte dos Pirenéus, católicos.
A primeira (e talvez
única) moeda com ano de cunhagem e a denominação ERA é o dinheiro
toledano
que descreveu o numismata francês Aloïs HESS. Ele foi cunhado em +1166
EC sob Afonso VIII.
É também a primeira moeda europeia cujo cólofon em
caracteres latinos está completo:
Toledo e ERA 1204 como lugar e data de cunhagem.
TOLETUM
ERA
MCCIIII
Sete anos mais tarde foram
cunhados, em Toledo, os primeiros morabitinos
(ver
https://www.academia.edu/36375072/MORABETINOS_ALFONSINOS.pdf)
a partir do modelo andaluz do dinar prosélito islâmico.
Mentre que 20 anys abans els dinars
encunyats sota Alfons VII
datats en 548 (Anno hegirae,
s'entén),
el cólofo que
porta l'anvers dels morabatins d'Alfonso VIII mostra Medina Toledo i
Safar
1211.
Este dinar foi cunhado na medina de Toledo no ano 11 & 200 &
1000 (=1211) de Safar.
A transliteração do árabe segue a DIN 31635
O vocábulo ERA do dinheiro
aqui será substituído por “Data Safar”, sua denominação árabe.
Tal como para o dinheiro, o primeiro
morabitino foi emitido sob o reino
do Príncipe
dos católicos Afonso VIII protegido e ajudado por Deus…
O reverso será
portanto prosélito, mas católico.
É Afonso X que emitirá os
últimos morabitinos.
Com Sevilha e Data
SAFAR 1302 o seu cólofon testemunha recentes
conquistas territoriais.
Este dinar foi cunhado/ em Sevilha/ no ano/ 2 & 300
& 1000 (1302)/ da data Safar
Um século mais tarde, em Espanha,
EC +1351, e em Portugal, EC +1422,
a ERA foi finalmente abolida em proveito do
Anno Domini.
Poderiamos concluir
assim :
apropriando-se da genial
invenção selêucida da arte de escrever o tempo
(ver https://www.archaeometry.org/seleucid_era.pdf
)
o reflexo identitário
dos Visigodos ibéricos manifestou-se sob a forma de uma era calendárica:
a
l’ERA SAFAR.
Por outro lado, o primeiro manuscrito
conhecido portador de uma data calendárica
é uma cópia do martirológio
paleocristão do bispo ariano Eusébius.
O seu colofon indica ano
700 e 20 e 3 (da era selêucida entenda-se), ou seja +413 EC.
O clero visigótico ibérico, ele
também ariano,
teria sido informado do interesse revolucionário deste modo de
escritura do tempo?
Os nossos agradecimentos
aos senhores:
Anton
BOUZAS, Fernando
COIMBRA, Jose Maria
DE FRANCISCO OLMOS,
Pablo DE LA CRUZ DIAZ MARTINEZ, Christophe DE REYFF,
Javier
DE SANTIAGO
FERNANDEZ, Bartolome MORA SERRANO,
Tawfiq IBRAHIM &
Xavier
JUBIER
pela sua preciosa contribuição na
preparação deste dossier.